A administração de expectativas profissionais é um processo delicado, e o sistema de avaliação de desempenho muitas vezes acaba gerando burocracias e frustrações. Isso porque empresas precisam avaliar o que cada um de seus funcionários faz e qual o impacto desse trabalho, e nem sempre há sintonia com percepções individuais. Em empresas de tecnologia, há algumas particularidades na determinação da produtividade.

Horas e horas de trabalho de manutenção de sistema têm sua importância, mas uma solução criativa que tenha acelerado um processo em 30%, mesmo que sendo o resultado de uma implementação razoavelmente rápida, pode ter muito mais relevância para o negócio. Essa falta de correspondência entre horas trabalhadas e impacto gerado/percebido costuma mexer com vaidades e pode levar à perda de talentos.

Outro grande desafio das avaliações de desempenho de organizações de tecnologia é fazer uma análise justa e igualitária para papeis radicalmente diferentes, como os cargos mais altos de gestão e de contribuidores individuais. Além disso, como as atribuições de um contribuidor individual podem ser fluidas e indefinidas, é difícil comparar os impactos.

Para avaliar um contribuidor individual que dá direcionamento a uma área, faz sentido usar métricas do tipo: “Quantas pessoas estão trabalhando em projetos que essa pessoa definiu?”, em vez de analisar o quão complexos são os algoritmos que ela tenha feito.

Em outros casos, contribuidores individuais podem trabalhar sozinhos desenvolvendo projetos complexos, como sistemas de armazenamento distribuídos. Nesses casos não será possível fazer a mesma pergunta, e o questionamento deve ser sobre a complexidade dos algoritmos e seus impactos.

Com a carreira em Y, um contribuidor individual muito sênior pode estar no mesmo nível de um vice-presidente que comanda uma organização de 100 ou 200 pessoas, que em conjunto têm um número enorme de realizações. Ao fim do ano, o vice-presidente poderia declarar que fez tudo aquilo, mas na verdade quem fez foi o time. O mérito do vice-presidente é outro: ter contratado ou gerenciado ótimas pessoas, criado um ambiente para a inovação acontecer e investido com sabedoria no curto e no longo prazo do negócio.

O contribuidor individual especialista, por outro lado, é aquela pessoa cujo trabalho solitário às vezes leva tempo para trazer avanços ou mudar completamente o jogo — portanto exige métricas bastante específicas de avaliação de impacto.  

Agrupar profissionais com funções semelhantes pode ajudar a reduzir vieses na hora de avaliar, pois facilita a comparação. Por exemplo, em um dia a liderança avalia colaboradores de gestão, e em outro os colaboradores individuais. 

Um principal engineer pode ter, individualmente, mais impacto que um diretor de engenharia, mas é difícil ter essa clareza quando se discute sua avaliação logo depois de analisar a de um diretor que tenha descrito os resultados da sua equipe de 200 pessoas, possivelmente composta por vários principal engineers, entre outras pessoas sêniores.

Outro ponto a ter cuidado é não avaliar e promover pessoas pelo critério de o quanto elas são conhecidas dentro da organização, para não prejudicar profissionais excelentes que sejam extremamente discretos ou introvertidos e mesmo assim consigam ser inspiradores e influentes dentro de suas áreas de atuação.

O estabelecimento de um plano de carreira transparente e de um ferramental para a avaliação de desempenho ajuda a reduzir as subjetividades no processo.

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.