Um time de tecnologia tem algumas particularidades em relação às possibilidades de organização. Para começar, existem os contribuidores individuais especialistas, que atuam dentro das equipes como uma espécie de consultores técnicos e que podem estar subordinados a gestores de nível hierárquico até mais baixo que o seu, considerando a trilha de carreira.

Times interdisciplinares são uma forma de dar flexibilidade e agilidade a projetos de tecnologia, e podem ser colocados em prática de diversas formas. 

Modelos de time Google e Amazon

Uma das possibilidades é a adotada pelo Google no início da década de 2010, com uma organização fluida e intercambiável. Por exemplo, podia haver um grupo de 50 pessoas, com 5 gestores – cada um com um “time” de 9 pessoas, para os quais aprovaria férias, faria acompanhamento de carreira e daria nota nos processos de avaliação de desempenho. 

Mas esse pool de 50 pessoas atuaria em projetos diversos, liderados por alguém que “oficialmente” pertencia a um time diferente do seu – e não necessariamente gestores, porque o grupo conteria lideranças técnicas também. Essa é uma organização matricial, que considera os projetos mais efêmeros que as pessoas. 

Em uma organização assim, os gestores que estão no pool precisam saber mais ou menos o que está acontecendo em todos os projetos para terem condições de, por exemplo, fazer a avaliação de desempenho de seus liderados.

Como descrevem Colin Bryar e Bill Carr no livro Obsessão pelo cliente (Citadel, 2023), na Amazon foi estabelecida muito cedo a prática de criar equipes e chefias que fossem temporárias e totalmente autônomas, compostas de pessoas de várias áreas que dedicavam 100% do tempo a um projeto específico, como por exemplo o desenvolvimento do Kindle. O líder desse tipo de projeto  (single-thread leader) na Amazon comanda um time que só pensa no desenvolvimento daquele produto específico e que é independente para implementar o projeto sem precisar pedir autorização a outras áreas da empresa.

Esse modelo bem particular da Amazon nasceu devido à percepção de que a necessidade de comunicação e aprovação entre áreas e níveis hierárquicos emperrava os projetos da empresa. Em vez de melhorar a comunicação, a Amazon decidiu que era melhor eliminar a necessidade de comunicação. A montagem de equipes mistas assemelha-se também às estruturas de desenvolvimento de produto adotadas pelas metodologias ágeis.

A vantagem desses modelos é que eles possibilitam escolher dinamicamente os líderes com o perfil mais adequado para cada projeto, assim como as pessoas que mais eficiência levarão à empreitada. Também são mais propícios a se formar de modo espontâneo, em resposta às motivações e aos interesses profissionais dos integrantes, o que favorece a inovação.

Em geral, porém, é bem mais natural para uma empresa adotar uma organização tradicional determinada por área de atuação, pela função da equipe. Em uma visão macro, no nível da empresa toda, faz sentido dividir equipes por área de atividade. Mas dentro de uma organização menor, com por exemplo 50 pessoas ou menos, existe espaço para a intercambialidade entre projetos. 

Os contribuidores individuais especialistas normalmente se encaixam dentro de times formais para efeito de avaliação e questões administrativas, porém são alocados de forma independente em equipes menores que estão tocando projetos, mesmo que sejam hierarquicamente superiores a quem está liderando o time. O trânsito livre que os especialistas têm entre times e projetos é um dos trunfos do estabelecimento da trilha de carreira em Y.

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.