Um erro muito comum nas organizações de tecnologia é promover cedo demais para funções de gestão colaboradores jovens que começam a se destacar no trabalho.
É ainda bastante disseminada no Brasil a ideia de que ser promovido significa virar gestor, com a visão equivocada de que prestígio, salários mais altos e valorização diante do resto da empresa estão atrelados ao número de pessoas que se gerencia.
Em tecnologia, transformar alguém de maneira precoce em gestor é um desfavor que se faz a um profissional promissor que pode ser grandioso em outras áreas.
O melhor meio para evitar o erro de empurrar talentos para a gestão muito cedo é formalizar uma trilha de carreira em Y. O conceito consiste em criar uma base comum para todos os engenheiros e desenvolvedores e depois, em um determinado ponto da carreira, bifurcar um braço seguindo para cargos administrativos tradicionais, de gerência e diretoria, e outro braço para os contribuidores individuais, também chamados de especialistas ou staff engineers em algumas empresas de tecnologia.
Contribuidores individuais ascendem na carreira em paralelo aos gestores, com salário e prestígio equivalente. A diferença é que seu papel se mantém mais técnico do que administrativo. Esse profissional se dedica a dar direcionamento técnico para as áreas, a mentorar colaboradores mais júniores, a estabelecer a cultura de engenharia e a escrever e revisar código, muitas vezes trabalhando dentro de algum projeto, mas sem ter a obrigação administrativa de cuidar de avaliações de desempenho, definir promoções ou aprovar viagens e passagens aéreas.
A progressão de cargo independente de posições de gestão é uma das melhores formas de dar evidência aos talentos técnicos de uma empresa, não apenas em termos de prestígio, mas também de remuneração. O desafio é dar legitimidade ao posto de contribuidor individual a ponto de torná-lo realmente atrativo para profissionais de destaque.
Exemplo de carreira em Y em tecnologia

Crédito: Tecnologia Intencional
Em computação, as pessoas desenvolvem sua carreira na parte técnica, a base do Y. Ninguém sai da faculdade e já vira gestor. Uma vez que o profissional começa a se destacar na área em que atua, passa a entender bastante do código, surge o risco de ser logo colocado para gerenciar pessoas. Só que essa pode não ser a melhor decisão, já que o colaborador chamou atenção por ter bastante habilidade técnica, e não necessariamente de relacionamento ou liderança.
Os primeiros anos de um desenvolvedor são formativos, de grande aprendizado técnico, e é uma pena o processo ser interrompido por uma mudança de carreira que vai obrigá-lo a começar a pensar em orçamento, avaliação de desempenho, progressão da carreira dos subordinados, aprovação de passagem aérea etc.
Até pode ser que um cargo de gestão esteja no futuro desse profissional, mas é preciso deixá-lo percorrer a base do Y até chegar a um momento mais amadurecido de carreira, porque isso trará bons resultados tanto para a empresa como para o desenvolvimento da pessoa.
Outra questão é que parte das habilidades de gestão não são facilmente transferíveis para outra companhia. Um colaborador jovem e promissor aprende, por exemplo, o sistema de recursos humanos da empresa em que está hoje e, quando se transfere para outra organização, encontra outro tipo de avaliação de desempenho muito diferente. Como é inexperiente, não tem condições de ter opinião estratégica sobre como uma avaliação de desempenho deveria ser feita.
A interrupção precoce do aprendizado técnico do profissional de tecnologia pode ter um impacto negativo na carreira a longo prazo.
Em uma empresa de tecnologia grande e organizada, que tenha superado o ambiente de start up, o profissional deveria entrar com plano de carreira, atribuições definidas e um caminho claro à frente, com as possibilidades paralelas de gestão e contribuição técnica.
Contribuidor individual, staff: desafios
O trabalho de um contribuidor individual é por natureza ambíguo. É excelente que uma empresa tenha o plano de carreira em Y formalizado, porém ainda assim os cargos devem ser abrangentes, com funções pouco definidas e que variam bastante dependendo do perfil do profissional e da organização da companhia.
A pessoa pode atuar quase como gestora, liderando times e mentorando pessoas – sem atribuições administrativas –, ou pode atuar praticamente como programadora, escrevendo uma parte mais complexa do algoritmo. Ou pode ser qualquer coisa entre esses dois extremos.
Existe sempre um risco de o contribuidor individual se sentir isolado ou perdido, embora possa ser experiente e tecnicamente faça parte da liderança da companhia. A criação de comunidades de contribuidores individuais sêniores dentro da empresa pode amenizar esse isolamento.
Mudando de rumo: pêndulo nos braços do Y
A divisão de caminhos para os braços do Y não é uma decisão para sempre. É positivo que contribuidores individuais resolvam passar um tempo no outro lado, como gestores, e vice-versa, em mudanças que podem até se tornar definitivas. Há profissionais de espírito irrequieto e movido a desafios que se beneficiam de fazer o movimento de pêndulo entre as duas trilhas de carreira, passando períodos em cada um dos lados.
Para quem se interessa mais a fundo por esse tema, há muitos livros específicos a respeito do desenvolvimento de pessoas na área de tecnologia. Dois que se destacam, um para cada braço do Y, são:
- A arte da gestão: Um guia prático para integrar liderança e recursos humanos no setor de tecnologia (Altabooks, 2018), de Camille Fournier, que foi vice-presidente de tecnologia da Goldman Sachs. O título original é The manager’s path (O caminho do gestor).
- The staff engineer’s path, de Tanya Reilly (O’Reilly Media, 2022), foi escrito em resposta à obra acima. Ela tem mais de 20 anos de experiência como contribuidora individual em empresas como Google e Squarespace. O livro se destina a quem está interessado em percorrer o braço técnico do Y.

Marcus Fontoura
Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.