Uma das maneiras de atrair bons profissionais é construindo uma organização com reputação de proporcionar um ambiente de aprendizado, de respeito e de desafio no cotidiano das atividades. Todos passam então a querer fazer parte daquilo. Para isso, é preciso fomentar uma cultura corporativa que valorize excelência profissional, de sistemas e de produtos e serviços, em grande ou pequena escala, a depender do perfil da companhia. 

O desafio de fazer uma empresa acontecer nesses parâmetros pode servir, aliás, como atrativo para certo tipo de profissional, independentemente da remuneração. Há quem se empolgue com a possibilidade de ajudar a construir a companhia e concretizar a missão de transformar os pequenos e médios negócios ou instituições. 

Do ponto de vista do gestor, não é tão simples identificar as pessoas certas no mercado. Alguns atributos são mais fáceis de mensurar, como o histórico técnico, que pelo currículo e pelas realizações fica bem evidente. Por outro lado, é importante ter sensibilidade para detectar pessoas que possuam traços de personalidade que prejudiquem um trabalho em conjunto, por exemplo. Pode ser até que seja útil para projetos específicos contar um colaborador desse tipo na equipe, mas será preciso ter consciência de que ele não vai ter o papel de inspiração para os outros funcionários.

É preciso fomentar uma cultura corporativa que valorize excelência profissional, de sistemas e de produtos e serviços, em grande ou pequena escala, a depender do perfil da companhia. 

Pessoas igualmente boas em termos de qualidade técnica podem ter comportamentos opostos: há aquelas que ficam trancadas na sala, trabalhando visando uma promoção ou uma grande descoberta individual, e outras que dão palestras e compartilhavam seus conhecimentos. Para um quadro equilibrado de funcionários na companhia, o que se busca é uma combinação de qualidades e características, não só em indivíduos como nas equipes como um todo. 

Networking pessoal: o risco da mesmice

Quando surge uma vaga sênior para se preenchida, o mais natural é recorrer ao networking pessoal das lideranças. O grande risco que se corre com isso, porém, é acabar contratando profissionais muito parecidos com os já existentes: pessoas com a mesma formação, que trabalharam nas mesmas empresas, com a mesma cor de pele e o mesmo jeito de pensar. 

Perde-se assim o elemento de pluralidade, que fomenta novas formas de interagir, de produzir e de criar vantagem competitiva. A possibilidade de que surjam insights cai muito em um lugar uniforme, e hoje em dia esse tipo de empresa toda igualzinha está cada vez mais deixando de ser atraente para profissionais aqui no Brasil.

Nos Estados Unidos, o histórico de imigração no final dos século 20 e nas primeiras décadas do século 21 contribuiu para que nas empresas de tecnologia do país se consolidasse uma força de trabalho altamente qualificada e diversificada. Elas tiveram o luxo de contratar gente de qualquer parte do mundo para se juntar a seus quadros. 

O mesmo pode não ter ocorrido com as companhias de países como o Brasil, mas a variedade de históricos de vida vem aumentando através de um outro tipo de política: a da atenção à representatividade racial, social e de gênero, que vem ganhando força nos últimos anos e mudando o perfil dos profissionais nos mais diferentes cargos. 

O valor das entrevistas

O que se pode fazer para evitar cair na armadilha de contratar pessoas “iguais” é entrevistar o máximo de pessoas possível, e não ter pressa de fechar logo uma vaga. O preenchimento de uma vaga de alto escalão é um investimento não só financeiro, mas de tempo e dedicação por parte das pessoas mais importantes da companhia. Deve ser feito com paciência e cuidado.

Alguns exemplos de perguntas para tentar avaliar a capacidade dos candidatos de inspirar o time são:

  • “Qual é sua relação com seu time?”
  • “Você acha que as pessoas vão querer te seguir quando você vier para cá?”
  • “Quem você considera sua grande inspiração?”  

Quem está entrevistando deve ter em mente que não necessariamente a pessoa fez e aconteceu no trabalho anterior, porque em determinados casos não havia um casamento perfeito entre o profissional, a função e a empresa.

O preenchimento de uma vaga de alto escalão é um investimento não só financeiro, mas de tempo e dedicação por parte das pessoas mais importantes da companhia. Deve ser feito com paciência e cuidado.

Ainda assim, dependendo da personalidade, das habilidades e até dos gostos pessoais do candidato ou candidata, dá para perceber que talvez aquele profissional se transforme em alguém com quem colaboradores mais jovens se sentirão estimulados a trabalhar.

Hoje em dia é fundamental também não se deixar levar por uma impressão pública baseada em perfis de mídia social. Existem pessoas que parecem inspiradoras por ter muitos seguidores em redes sociais, com perfis em que até dão boas explicações sobre assuntos técnicos, mas isso não quer dizer que a habilidade vá se reproduzir dentro de uma empresa. Há o risco de que ela não seja boa em trabalhar diretamente com as pessoas ou que esteja mais preocupada em fazer nome no mundo digital do que em se dedicar ao trabalho focado do dia a dia.

Para cargos mais altos, o processo de entrevista deve ser mais longo, com mais gente conversando com o profissional. As entrevistas de empresas como Google e Yahoo ficaram famosas por se concentrar em questões de raciocínio, para tentar descobrir se o candidato tinha um pensamento independente. É como se estivessem tentando descobrir o tamanho da CPU da pessoa, a capacidade de processamento. Mais complicado que isso, porém, é perceber outros aspectos da personalidade.

O candidato precisa parecer esperto, perspicaz, interessante e interessado. Precisa estar alinhado – ou pelo menos ter o potencial de se alinhar – com o espírito colaborativo da equipe. É essencial tentar avaliar se vai se comprometer no longo prazo com a filosofia e a ética de trabalho que estão sendo implantadas na empresa. Essa é a parte mais difícil de avaliar no ambiente da entrevista, porque é um tempo muito curto para procurar eventuais sinais de alerta ou deslizes.

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.