Inovação é essencial para uma empresa de tecnologia existir e perdurar, portanto ter profissionais trabalhando em projetos mais experimentais não é uma concessão, mas uma necessidade de negócio. 

E quanto mais houver ferramentas de engenharia básicas para facilitar a movimentação das pessoas entre projetos e departamentos, mais propício ficará o ambiente para brotarem ideias de qualquer nível organizacional. Imagine a perda de tempo que é alguém ter que aprender uma nova linguagem de programação ou um sistema computacional diferente cada vez que se integra a um novo projeto. 

Novos olhares para problemas antigos ou problemas que virão mais à frente costumam gerar soluções surpreendentes. 

Outra forma de incentivar o florescimento de ideias é através de programas formais de rotação em que, depois de um determinado período em um departamento ou projeto, o colaborador seja incentivado a fazer alguma coisa diferente na empresa. Novos olhares para problemas antigos ou problemas que virão mais à frente costumam gerar soluções surpreendentes. 

Pouco glamour

Projetos novos nem sempre atraem um grande número de pessoas, porque têm menor impacto no presente e muitas vezes são vistos como meras experimentações ou especulações. Às vezes demora anos até que a área tenha um produto ou serviço para seguir para produção, mas é parte do investimento na inovação bancar times assim. 

É uma função essencial do gestor de tecnologia essa fomentação dentro de suas equipes do desejo de participar em algum projeto ou assunto que ainda não tenha nem glamour e nem atenção. É compreensível que o apetite para risco profissional de cada pessoa seja diferente (e até depende bastante das circunstâncias de vida do momento), mas um gestor de tecnologia deve estimular movimentações de carreira e apontar vantagens de às vezes se juntar a algo desconhecido ou criar algo completamente distinto.

Mesmo profissionais mais jovens podem agir de maneira madura diante de um desafio, valendo-se de um pensamento mais científico sobre como lidar com problemas.

Fluxo de ideias

Do ponto de vista da empresa, cabe aos gestores:

  • Dar o tom às suas equipes de que ideias podem ser testadas e exploradas mesmo durante o expediente normal de trabalho 
  • Instituir mecanismos sistemáticos que estabeleçam horizontes de projetos mais a curto ou longo prazo 
  • Criar fluxo de escoamento das ideias promissoras na direção da liderança

Por outro lado, em um ambiente corporativo com pessoas muito inexperientes e profissionalmente/pessoalmente imaturas é mais complicado e até custoso dar esse tipo de abertura. Se todo mundo faz o que quer, sem basear propostas em conhecimento técnico, a situação fica caótica. 

Trilhas de carreira são sempre um bom ponto de referência para saber em que momento profissional um engenheiro está quando se propõe a testar uma inovação. A partir de um certo nível de senioridade, engenheiros devem ter mais autonomia para trabalhar e decidir como priorizar projetos de inovação. 

Por isso também hackthons e demo days são ótimos para que a companhia tenha como avaliar o que está sendo feito durante essas horas mais experimentais de trabalho e para que os funcionários tenham canais oficiais de vitrine para seus projetos e protótipos.

Investimento consciente na mistura equilibrada nos horizontes H1, H2 e H3 (curto, médio e longo prazo), no trabalho do dia a dia e no trabalho de inovação dos seus times não só motiva contribuições criativas de todos como também evita que o negócio se acomode no arroz-com-feijão, que inevitavelmente será copiado pela concorrência. 

Valor na inovação, não só no produto que já existe

O business as usual (BAU), ou investimentos H1 de uma empresa, é o que dá lucro, seja ele o pacote Office ou o serviço de nuvem da Microsoft, então é preciso haver orçamento para operar esses produtos no mais alto nível. 

Muita gente não entende que, uma vez que um sistema ou serviço esteja em produção, ele ainda assim tem que ser operado, porque sempre serão necessárias melhorias e manutenção. Toda vez que alguém usa o Google Meet, por exemplo, está utilizando um serviço que requer responsáveis técnicos para monitorar que essa ferramenta rode sem problemas nos servidores do Google. 

O custo operacional de manter funcionando esses produtos rotineiros de qualquer companhia de tecnologia é elevado. Porém, uma empresa que só se concentra em business as usual e não investe em inovação não tem como crescer além de um determinado ponto, e vai acabar sendo superada. 

O mercado de capitais enxerga o valor de uma empresa de tecnologia justamente no que não é seu arroz-com-feijão, por apostar que ela terá capacidade de inovar naquilo que já oferece hoje em dia. É mais ou menos como se o mercado tivesse confiança que, do dia para a noite, o Google possa criar um outro YouTube ou a Meta lançar outra plataforma tão popular quanto o Instagram.

Para uma empresa de tecnologia, esse potencial se traduz fortemente na construção de sistemas e plataformas de engenharia que lhe possibilitem escalar em tamanho e complexidade de produtos e serviços no futuro. 

O mercado de capitais enxerga o valor de uma empresa de tecnologia justamente no que não é seu arroz-com-feijão, por apostar que ela terá capacidade de inovar naquilo que já oferece hoje em dia.

Esse tipo de planejamento é o que permite a companhias como Uber, que teve origem em um serviço, o de transporte de passageiros, se transformar em uma plataforma mais ampla de entrega de mercadorias, alimentação e frete, ou Netflix, que começou como uma locadora de filmes por correio, virar uma empresa de streaming que produz seu próprio conteúdo.

Empresas assim criaram plataformas robustas para alimentar o crescimento e a nova variedade de produtos oferecidos e alimentaram um ambiente de inovação. Foram decisões intencionais que diversificaram o negócio e o prepararam para o que vinha à frente.  

Para as grandes inovações se concretizarem, um ingrediente inquestionável é a criatividade que vive dentro das pessoas que formam a empresa. Pode haver verba, espaço para criar e um ambiente positivo, mas os protagonistas precisam estar lá para fazer tudo acontecer.

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.