O equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é um exemplo que deve vir de cima. Não adianta o executivo-chefe de uma empresa ou de uma área declarar que deseja que “as pessoas convivam com suas famílias”, se ele ou ela não demonstra na prática o que prega no discurso. Quando o líder trabalha em um ritmo louco, é inevitável que os funcionários façam o mesmo, já que é o comportamento de gestores de alto nível tende a dar o tom do trabalho esperado de todos.
Em empresas de tecnologia de médio e grande porte não é incomum que certos executivos pareçam ainda trabalhar com a mentalidade de startup, assumindo várias tarefas simultaneamente, como se daquilo dependesse a sobrevivência da companhia. Uma organização consolidada precisa ser capaz de funcionar sem a pessoa A, B ou C, de sobreviver à saída por férias de quem quer que seja, por mais importante que seja um líder.
É preciso desmontar, com planejamento e medidas práticas em cada camada hierárquica, a postura e a cultura de urgência no trabalho, que muitas vezes leva a equipes inteiras sobrecarregadas e em burnout. A meta deve ser estruturar a área de tecnologia de modo a que não haja incêndios – “reais” ou imaginários – a ser apagados todos os dias.
O estabelecimento de uma trilha de carreira bem definida e transparente faz parte desse tipo de reestruturação. Muitas vezes funcionários trabalham além da conta porque não sabem o que é esperado deles. Um plano de carreira que delimite de maneira objetiva o que é esperado do profissional em cada momento de sua carreira evita essa tensão constante de “adivinhar o que o chefe deseja”.
Em uma empresa de médio a grande porte, se alguém sente que precisa resolver tudo por conta própria, é sinal de alguma coisa muito errada e, pior, de um problema sistêmico. Uma das atribuições mais significativas da liderança é garantir que a empresa funcione independentemente da atuação individual das partes, inclusive a dos próprios líderes. A mentalidade do trabalho planejado (e coletivo) precisa se capilarizar para todos os níveis hierárquicos através de gestores experientes em proporção suficiente e um sistema de mentoria.

Marcus Fontoura
Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.