O trabalho de um líder de tecnologia é socialmente relevante, porque é um porfissional capaz de promover uma transformação interna na empresa que acaba por gerar um impacto que vai muito além dela.
Qualquer organização pública ou privada sempre tem a chance de ser agente de mudanças significativas no país, mas as companhias de tecnologia conseguem ir mais longe, por contar com enorme potencial para formar gente bem qualificada e com as capacidades necessárias para aprimorar o mundo. Essas pessoas depois poderão ainda formar outras pessoas e outras organizações, multiplicando aprendizado, desenvolvimento econômico e conhecimento de ponta.
Para isso, é preciso ter consciência de que tudo o que uma empresa faz reflete positiva ou negativamente nas comunidades próximas e não tão próximas de onde atua, assim como na sociedade como um todo. Responsabilidade social não deveria simplesmente ser uma obrigação para preencher páginas de relatórios de gestão e sustentabilidade – trata-se de uma construção de cultura em que o bem comum é tão prioritário e lucrativo quanto o produto do negócio em si.
Um trabalho ativo da liderança nesse sentido requer, entre outras coisas:
- Exemplos pessoais
- Envolvimento corporativo em projetos que façam a diferença
- Alinhamento de departamentos com políticas de contratação e retenção de talentos que tenham também um olhar para o papel social da empresa
Uma vez que equipes sejam impactadas pela transformação, elas vão fazer sistemas melhores para os clientes e também serão levadas a ser melhores profissionais de gestão ou na parte técnica. O trabalho de um líder de tecnologia tem que ser visto também como um trabalho de educação e de formação de pessoas.
Considerando ainda que o salário inicial de um profissional na área de computação tende a ser mais alto do que em outras carreiras, às vezes esse dinheiro acaba sendo várias vezes maior do que o ganho de qualquer outra família de uma comunidade mais carente. Ou seja, a formação de uma pessoa, mesmo para um cargo inicial de computação, já gera por si só um impacto ao redor dela, na família e além.
Semear talentos para crescer
Com o maior desenvolvimento de ferramentas e plataformas, ficou mais fácil e acessível do que nunca programar. Se antigamente alguém tinha que manualmente programar usando cartões, perfurando-os para serem colocados dentro dos computadores e depois processados, hoje as linguagens de programação são de alto nível e cada vez mais próximas da linguagem natural.
O arcabouço computacional também é muito maior, o que significa que não requer tanto entendimento de arquitetura dos computadores, e dá para escrever em uma variedade de linguagens com bibliotecas extensas.
A barreira para conseguir fazer sistemas de computação é menor, ainda mais quando se trabalha em uma empresa que conta com um arcabouço de plataformas. Não que um profissional iniciante logo de cara será o encarregado de fazer um novo algoritmo de buscas, mas poderá ser o que vai ajudar a construir um site ou um aplicativo, mesmo com um conhecimento técnico relativamente baixo.
A atenção com a formação dessa pessoa desde o começo é fundamental, assim como é aquele olhar para alguém que nem é da área de tecnologia, mas que talvez possa ser trazido para a computação, obtendo dessa forma melhores oportunidades profissionais e contribuindo com novos jeitos de pensar.
Muitas companhias atualmente buscam atrair gente de outras áreas e formá-las para trabalhar em computação. Ações assim possibilitam que a empresa:
- Invista em bons profissionais independentemente da área de formação inicial
- Retenha depois essa força de trabalho em uma série de funções
A PUC-Rio, por exemplo, conta um programa bem antigo em parceria com a Rocinha para formar jovens aprendizes, o NEAM (Núcleo de Estudo e Ação Mundo da Juventude). Através dele, esses jovens passam por cursos na PUC-Rio e muitas vezes acabam absorvidos na própria universidade, trabalhando dentro de algum departamento. Ao se tornar funcionário da PUC-Rio, o jovem tem a possibilidade de ganhar bolsa para frequentar a faculdade lá.
Nem todo mundo acaba trabalhando em uma grande universidade ou big tech no Brasil ou nos Estados Unidos, mas algumas dessas pessoas serão sim brilhantes e com potencial de crescer e seguir para onde desejarem. A chance inicial é a alavanca que depois possibilita que alguém possa responder a desafios maiores conforme se mostra mais apto a encará-las.
Impactos na empresa, no produto e no cliente
Quando se fala em responsabilidade social, dá para ter um impacto direto na vida das pessoas ou um mais indireto, porque a tecnologia em si pode servir como veículo de ascensão social. Com isso em mente, o profissional de tecnologia tem muitas opções de em quais projetos trabalhar e que tipo de impacto pessoal exercer.
A responsabilidade social com a tecnologia, principalmente para quem é mais sênior, requer uma reflexão mais global sobre o que se faz e sobre como a tecnologia pode ser mais abrangente do que a entrega de produtos em si.
Não basta só pensar “Estou gerindo meu time, fazendo um negócio bacana e recebendo meu salário”. É preciso ir além: de todos os projetos que seu time está conduzindo, há algum que tenha impacto positivo para a comunidade?
Uma empresa pode e deve atuar na parte da filantropia, porém existe também uma outra aplicação prática, a de inserção na vida das pessoas, de modo a permitir que participem mais da economia do país e alavanquem a sociedade como um todo.
É uma retroalimentação, porque quando uma companhia apoia um projeto de colocação profissional de jovens de baixa renda e contrata estagiários qualificados, ao mesmo tempo em que está dando bolsas e ajudando a formar pessoas, ela se beneficia do que esses jovens têm a agregar de qualidade técnica no longo prazo.
Isso tem a ver também com o enfoque que a liderança coloca para os funcionários da empresa, a gestão de suas carreiras e até o equilíbrio na contratação de pessoas sêniores e inspiradoras para cargos estratégicos e de gente boa para ser desenvolvida e aprimorada, começando da base.
Inovação tanto de produtos como de plataformas também é uma forma de baratear o custo de um serviço e repassar a vantagem para o cliente de distintas camadas socioeconômicas. É ainda possível educar clientes e usuários e ajudá-los a se tornar mais digitais.
Partindo do princípio de que maioria dos negócios deveria virar digital no futuro próximo, é fundamental a formação de pessoas nas empresas de tecnologia preparadas para trabalhar em soluções para esses negócios e sua clientela.

Marcus Fontoura
Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.