As decisões de tecnologia têm de ser tomadas considerando o eventual crescimento da empresa. É verdade que costuma ser imprevisível saber se um empreendimento chegará a crescer. Na vida real, a grande maioria dos novos negócios e organizações não vingam.

O que dá para se fazer é ter consciência de que, se houver crescimento, será necessário pensar o quanto antes em resolver os desafios de cada área com a cabeça voltada para a escala, porque soluções artesanais costumam ser caóticas de administrar a longo prazo. 

Erros em uma pequena empresa têm consequências muito diferentes do que erros em companhias que já contam com processos em escala. A melhor maneira de minimizar os erros é apostar no crescimento de forma intencional. 

Há o risco de não se atentar para o fato de que, de repente, a empresa está maior, porém cada equipe continua tomando decisões independentes e adotando os mesmos processos da época da inauguração.

Um sistema de avaliação de desempenho que dava conta de 100 funcionários provavelmente não dará certo quando esse número atingir 1.000. Não será mais possível transferir manualmente o nome das pessoas de uma planilha para outra, porque o resultado pode gerar erros e acaba virando um débito técnico. 

A falta de integração entre o sistema de cadastro de colaboradores e o sistema de avaliação de desempenho é um exemplo dos piores pesadelos de todo gestor. A lista de colaboradores a ser avaliados nunca estará correta se depender de processos manuais, não escaláveis e suscetíveis a erro.

Sem uma mentalidade de tecnologia para intermediar as tarefas de manutenção de uma empresa, os débitos técnicos tornam-se entraves para o crescimento e a operação fica comprometida – mesmo que o produto ou serviço seja conceitualmente ótimo. Isso porque o acúmulo de débitos técnicos gera perda de produtividade ao longo do tempo. 

Tecnologia integrada à escala e ao crescimento 

Pode ser que uma empresa que se expandiu de 1.000 para 10 mil funcionários não precise aumentar o departamento de contabilidade para continuar fazendo o seu imposto de renda, porém:

  • Os processos de recursos humanos escalam com o número de funcionários
  • Os processos de vendas escalam com o número de clientes
  • Os processos de operação escalam com o número de compradores
  • Os processos jurídicos escalam com o número de funcionários, clientes e escritórios
  • Os problemas de logística escalam com o número de sedes, clientes e funcionários

São vários os aspectos que assumem grande escala com o crescimento de uma companhia, e é para atender a essa inexorável demanda que a mentalidade dos líderes deve virar a chave para a construção de uma área de tecnologia única e integrada.

Não deveria ser novidade para ninguém que, no mundo de hoje, a tecnologia é uma forma de criar eficiências em quase todos os processos, sejam eles de manufatura, indústria, comércio ou serviços. Talvez não seja o caso de absolutamente todo o negócio, porém não dá para chegar a essa conclusão sem antes conduzir uma análise do tipo “será mesmo que não preciso de uma mentalidade de tecnologia para…”. Trata-se de uma reflexão ainda mais relevante para quem se prepara para expandir.

Cada empresa cresce em dimensões diferentes, passando a ter necessidades distintas a partir do momento em que começa a ganhar escala. É nesse contexto que o gestor precisa considerar como deseja que seus processos funcionem e como vai organizar a área de tecnologia para a implementação desses processos. 

Para algumas empresas, o ponto de virada no crescimento é quando ocorre um IPO, uma oferta pública na Bolsa, devido à entrada maciça de capital para investimentos. Serão criadas novas áreas na companhia? Se sim, existe estrutura para recebê-las? Se não, a entrada de recursos para abertura de novas áreas em uma fase de hiper crescimento às vezes pode provocar uma situação altamente confusa nos sistemas da empresa. 

Empreendimentos com perfil muito menor, como um negócio de marmitas para cachorro que precise se expandir, podem ter prioridades de outra natureza quando crescem. Essa pequena empresa talvez precise escalar o número de clientes ou abrir um canal melhor de comunicação ativa com os eles, com software especializado.

O importante é entender a necessidade de crescimento do negócio e a necessidade de mudanças de tecnologia para adaptá-lo a uma escala maior de entrega de uma maneira intencional e integrada com o resto da organização.

Cada vez mais surgem opções para apoiar essa expansão sem um departamento de tecnologia próprio, com a contratação de serviços de terceiros, utilizando alternativas de SAAS (software as a service) em nuvem. Essa pode acabar virando uma solução permanente efetiva, dependendo do tamanho da empresa e de seus planos para o futuro. Pode também ser uma alternativa útil por alguns anos, até o momento em que o processo fique mais complexo, as prioridades ou o próprio modelo de negócio mudem. 

Quando, com o crescimento do negócio, os gestores se veem às voltas com vários prestadores de serviços de tecnologia, alguns desenvolvedores esparsos e muita desordem, é hora de chamar um líder de tecnologia que unifique os serviços – mesmo que ainda terceirizados – e que dê intencionalidade aos investimentos e ao planejamento em tecnologia, de forma a sustentar as operações.

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.