Em muitas organizações, os aplicativos para clientes rodam em computação por nuvem, e, pela ótica da empresa, essa plataforma de nuvem é uma commodity. Isso porque, apesar de haver sistemas de integração e monitoramento internos, não é necessário que o engenheiro mais sênior da equipe seja responsável por essas tarefas. 

Por outro lado, se o negócio da companhia é ser um provedor de nuvem, uma equipe de profissionais experientes deve ser encarregada de entender quando uma aplicação está rodando e por quanto tempo ela provavelmente vai rodar, já que, ao fazer isso, os recursos do sistema são utilizados com mais eficiência e menos custo.

Como há uma série de inovações necessárias para cada tipo de negócio, em todos os níveis, cada empresa pode trabalhar em melhorias de suas plataformas para diversas camadas desses níveis. 

A Microsoft, por exemplo, pensa na nuvem dela, mas não precisa inovar em aplicações para Pix, ao passo que uma empresa que lida com cartões tem que seguir nessa direção. A Intel faz inovação em seus processadores, porque deseja que servidores consumam menos energia, durem mais e sejam mais resilientes, mas, para seus clientes, o processador não passa de um item básico para alcançar outras finalidades de negócio. 

O ponto é que plataformas têm inúmeros níveis de abstração, e a aposta em inovação estará no nível de abstração que é o diferencial competitivo de cada empresa. Para uma fintech, trata-se de plataformas financeiras de gestão de negócios criadas para facilitar a vida dos clientes, ou de uma plataforma de avaliação de risco, que é algo extremamente importante para o funcionamento do negócio. 

Mesmo sendo consumidora de serviços e plataformas de terceiros, uma empresa muitas vezes ainda assim tem que construir sua própria plataforma para lidar com problemas de detecção e prevenção de lavagem de dinheiro, ou de segurança cibernética, que são críticos e particulares ao seu negócio. Esses, aliás, são exemplos de plataformas que requerem inovação tanto de engenharia como de negócios. 

As plataformas voltadas a motivações de negócio podem ser tanto desenvolvidas porque uma companhia apresenta uma necessidade única que precisa ser solucionada ou porque ela deseja inovar com algum tipo de produto

Necessidades específicas da empresa integradas a plataformas externas

Sempre que se usa uma plataforma terceirizada, ela nunca cai como uma luva, e é preciso adaptá-la. Há prós e contras que têm que ser considerados, como o custo ou a velocidade de processamento. A plataforma externa pode fazer 90 por cento do trabalho, e os outros 10 por centro a empresa tem que construir de acordo com suas necessidades. 

Por exemplo, a plataforma pode ser de uma companhia indiana que contenha a habilidade de determinar com bastante precisão se alguém é estelionatário ou não, porém o resto da plataforma precisa se conectar à realidade de fraudes brasileira, como com os serviços do Reclame Aqui. Para fazer isso, pode-se construir então um módulo extra para a plataforma indiana, que passa a ser bem mais completa para as suas necessidades específicas.

As plataformas voltadas a motivações de negócio podem ser tanto desenvolvidas porque uma companhia apresenta uma necessidade única que precisa ser solucionada ou porque ela deseja inovar com algum tipo de produto, como oferecer com segurança crédito instantâneo aos seus clientes, no caso de uma fintech. Não há por que desenvolver uma plataforma cara de engenharia se não existe uma aplicação de negócios clara. 

Se uma plataforma que demora três dias para gerar o score de crédito do cliente é computacionalmente barata e dá conta do que a empresa precisa, tudo certo. Agora, se uma plataforma de score de risco é 10 por cento mais cara, porém a aposta é de que a adesão ao produto “crédito” será muito maior, assim como o retorno no investimento (ROI) da empresa, faz sentido prosseguir com a inovação de plataforma. 

Como tudo tem um custo e um retorno, o gestor de tecnologia e o CFO estão constantemente fazendo a análise de onde e como melhor investir os recursos financeiros e humanos da empresa. Quando já existe um alicerce de onde partir para adaptar aquilo que é o diferencial do negócio, se consegue muito mais agilidade de produtos e até começar a determinar a linguagem que as pessoas de produto poderão usar para definir os novos sistemas. 

Em uma situação hipotética de um gerente de produtos que deseje conceder crédito instantâneo, mas não conte com nenhuma estrutura de análise de risco do score dos clientes, o time de engenharia pensa então em como desenvolver uma plataforma para computar score de crédito, que passa a ser uma linguagem incorporada à plataforma dali para a frente. Para outros produtos, a plataforma já contará com esse componente também. E, claro, antes de qualquer execução, a equipe terá que estudar:

  • Como bancar o tal componente
  • Quão rápido será
  • Quão assertiva será a produção dos dados de que a empresa precisa
  • Se existe alguém que faz isso externamente ou não
  • Se será possível desenvolvê-lo para ser reutilizável e genérico para resolver outros problemas

É sempre bom considerar que, ao pesar prós e contras sobre plataformas e sistemas, o líder de tecnologia tem que levar em conta o custo de criar plataformas reutilizáveis que evitarão uma série de aplicações e sistemas feitos de maneira independente, que cedo ou tarde produzirão débitos técnicos. Evitar esse tipo de duplicidade é um dos principais objetivos das iniciativas que buscam  unificar pessoas, projetos e plataformas e partir para uma padronização como pano de fundo da organização da empresa, visando comunalidade e eficiência.

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.