É muito fácil para qualquer pessoa cair em vieses inconscientes que reforçam preconceitos sociais. E, no ambiente corporativo, esse tipo de problema tem consequências mais graves quando ocorre com lideranças. São comportamentos “automáticos” como delegar a organização de uma festa à única mulher do time de tecnologia, por exemplo, ou insistir em elogios à habilidade matemática de um colaborador de origem asiática.
Ter consciência da existência dos vieses, aqueles preconceitos que às vezes nem parecem preconceitos, é imprescindível para começar a mudar, portanto esse é um dos primeiros passos para a transformação da cultura de qualquer lugar. O ambiente criado precisa permitir que líderes e gestores possam receber os “puxões de orelha” que merecerem; se o ambiente de trabalho for verdadeiramente respeitoso, esse feedback será dado no espírito de educação e aprendizagem.
A questão é que todo mundo tem vieses inconscientes que não percebe, ou que demoram para ficar claros. A melhor postura para as lideranças é serem receptivas ao que outras pessoas revelem sobre seus vieses e trabalharem ativamente para reconhecê-los, admitindo erros que possam cometer e continuando a se informar de maneira mais efetiva.
Como ser (e como não ser) um aliado
Mesmo quando têm boa intenção, colaboradores e líderes de uma empresa podem agir de forma intrusiva ao procurar defender uma vítima de vieses inconscientes ou preconceitos. Ser um aliado e apoiar grupos menos socialmente favorecidos não pode significar adotar uma posição superior. Isso só causa desconforto e piora a situação.
Ser aliado de alguém não pode pressupor que a pessoa queira ser “defendida”, já que essa atitude muitas vezes acaba sendo encarada como ofensiva e prepotente, por colocar o outro como mais fraco do que realmente é.
Ninguém precisa bancar o herói, mas sim se dispor a colaborar ao lado de outra pessoa nos termos dela. Para isso, a melhor estratégia é a comunicação aberta, como perguntar a quem está sendo supostamente prejudicado se gostaria de algum tipo de intervenção, ou manifestar apoio inicialmente de maneira privada, só levando o caso a público mediante a autorização da pessoa envolvida.
Pode-se até achar que é fácil ser aliado: é só, ao ver uma coisa errada, se posicionar, porque a omissão já seria uma posição. Mas é preciso ter consciência de que, mais do que uma boa intenção, o caminho é avaliar a forma mais correta de agir em prol de alguém.
É para lidar com esse tipo de contexto que várias empresas vêm adotando treinamentos sobre vieses inconscientes e sobre como ser um aliado, com materiais elaborados por especialistas na área. O conteúdo do treinamento pode envolver assuntos como privilégios, relações de poder e comportamentos não-inclusivos.
Um bom treinamento mostra que, antes de agir sem pensar para “ajudar” alguém, é necessário:
- Questionar as próprias motivações
- Estar suficientemente informado
- Pedir orientação à pessoa que se pretende ajudar
O material informativo também pode incluir simulações de cenários semelhantes aos encontrados no cotidiano do trabalho daquela instituição específica e de outras.
Ao ofertar treinamento, a liderança está oferecendo aos funcionários mecanismos para enfrentar os problemas do dia a dia do trabalho com mais conhecimento e a confrontar qualquer tipo de bullying corporativo que possa existir.

Marcus Fontoura
Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.