A defesa da pluralidade de ideias e da segurança psicológica em uma companhia é o que permite que profissionais dos mais variados níveis hierárquicos, origens socioeconômicas e identidades possam se expressar, contribuir, inovar e assumir erros e acertos com toda a liberdade.
Não há mérito em reunir uma equipe de pessoas com formações e gostos parecidos com a visão de que isso vá gerar um negócio arrojado. Uma companhia é o microcosmo da sociedade, e só tem a ganhar no longo prazo com uma multiplicidade de experiências profissionais e pessoais e até de preferências culturais.
Se é urgente que toda empresa adote políticas ativas para reproduzir em suas equipes, e no time de tecnologia, a composição racial e de gênero da população do local onde está inserida, é também extremamente relevante ir além de apenas ampliar o processo de contratação. A inclusão real é aquela que permite que as pessoas que pertençam a minorias e grupos socialmente desfavorecidos se sintam confortáveis para:
- Colaborar
- Ser produtivas
- Crescer dentro da organização
- Poder se transformar em exemplo e inspiração para gente dentro e fora da companhia
É comum que os colaboradores e líderes dos grupos dominantes tenham receio de falar sobre questões de preconceito, temendo revelar seus vieses e ideias equivocadas, ou simplesmente deixar escapar alguma bobagem.
Conversar em um ambiente aberto é a melhor maneira de lidar com esse temor, mesmo que se cometam erros inicialmente. O importante é que haja diálogos respeitosos que permitam que as pessoas troquem ideias, informem-se e sejam desafiadas ao longo do tempo e da convivência.
O líder de uma empresa de tecnologia precisa se arriscar a enfrentar assuntos difíceis e se manifestar sobre eles, mesmo sob o risco de errar. Não há como ter a pretensão de ditar soluções perfeitas para a fundamental missão de promover condições mais equânimes para todos.
Como medidas concretas para estimular a diversidade, objetivos e metas concretos relacionados à diversidade e à melhora no ambiente de trabalho podem ser integrados no sistema de avaliação da empresa para que sejam mais eficazes. Para isso é essencial que a liderança esteja envolvida no processo. É possível monitorar, por exemplo, métricas de velocidade de promoção entre diferentes grupos, para verificar se há distribuição justa e quais são os pontos críticos a melhorar.
Representação e inspiração
Um fator relevante para a segurança psicológica dentro de uma organização é incentivar que os funcionários possam se agrupar segundo seus interesses ou identidades. Promover comunidades não significa colocar as pessoas em caixinhas: a da comunidade LGBTQIA+, a das mulheres, a dos autistas etc., estanques e limitadas. Uma não exclui a outra. As pessoas são diversas dentro das suas identidades, e podem pertencer a várias comunidades ao mesmo tempo.
Existe também uma responsabilidade implícita para integrantes de grupos menos favorecidos que chegam a posições hierárquicas altas: funcionar como modelo e como inspiração. Essas pessoas podem atuar fomentando a criação de grupos de interesse comum, para estimular uma vivência comunitária – como faz, por exemplo, o engenheiro nigeriano Abolade Gbadegesin, technical fellow na Microsoft, ao reunir os colaboradores de origem africana da empresa.
Esse tipo de grupo tem o potencial de evoluir para ter impactos mais efetivos, atuando para combater os obstáculos de carreira que os profissionais de comunidades desfavorecidas enfrentam, e partindo para ações mais estruturantes.
Para alguns grupos com menos representação, as características físicas são bem evidentes, e não é necessário tomar medidas extras para destacar a presença da pessoa em posição hierarquicamente influente. Costuma ser assim com colaboradores negros ou líderes mulheres, em empresas de tecnologia.
Para outros grupos, no entanto, o fato de fazerem parte de um grupo menos favorecido não é óbvio, como é o caso de pessoas de famílias de baixa renda ou de imigrantes recém-chegados. Um imigrante recente trabalhando em outro país não conta com as conexões sociais de escola, de faculdade, que os colaboradores locais muitas vezes têm.
Alguém que se mudou para um novo país ou até uma nova cidade geralmente chega a uma empresa sem estar inserido em um grupo social, portanto a organização tem parte da responsabilidade de dar condições para que essa pessoa consiga se adaptar.
Daí a significativa importância dos modelos dentro da empresa para criar uma sensação de pertencimento.
O esforço de nutrir um ambiente acolhedor e receptivo é parte essencial do trabalho do líder de tecnologia, a quem cabe tentar montar o melhor time de engenharia possível, com o mais variado material humano. De nada vale se dedicar ao assunto apenas durante uma ou duas “semanas de diversidade e inclusão” ao longo do ano.
Comunidades dentro da empresa
No livro Mastering community: The surprising ways coming together moves us from surviving to thriving (Balance, 2022), a pesquisadora norte-americana Christine Porath trata da importância da construção e sustentação de comunidades de pessoas engajadas, algo que é muito relevante no trabalho de engenheiros e tecnólogos.
No mundo da tecnologia, existe a tendência de que os profissionais se concentrarem quase que inteiramente em aspectos técnicos, negligenciando o poder e o impacto dos grupos que os rodeiam. O livro Mastering community aponta que não se trata apenas de construir software, mas também de participar de comunidades vibrantes, seja dentro das equipes ou em redes profissionais. A autora destaca a importância da empatia, da colaboração e do respeito mútuo na criação de ambientes onde todos possam prosperar e contribuir plenamente para a inovação acontecer.
Isso é ainda mais importante na realidade do trabalho remoto. A geodiversidade é algo desejável na formação de um time de tecnologia, e para os colaboradores há enorme valor em poder trabalhar do lugar do mundo onde preferirem estar. Por outro lado, engenheiros mais júniores que trabalham de forma muito isolada, privados de convívio social e da sensação de pertencer a um grupo coeso na empresa precisam de atenção especial para que se sintam incluídos de alguma forma.
Engenheiros de software enfrentam desafios complexos que exigem soluções colaborativas, altamente alimentadas pelo clima gerado pelas trocas socias e profissionais, assim como pelo apoio que as pessoas sentem. Esse é um dos motivos por que comunidades devem ser incentivadas, abrangendo tanto aspectos do trabalho dentro das equipes como fora delas também.
Ajustar a cultura de uma organização para que todas as atividades sejam permeadas por uma atitude respeitosa e inclusiva é algo que uma liderança de tecnologia tem a capacidade de fazer no dia a dia, por meio de sua postura, de suas comunicações internas e públicas, assim como com o trabalho conjunto aos departamentos de recursos humanos em relação a critérios de avaliação e de desempenho.
O objetivo é criar um ambiente de trabalho positivo para todos os funcionários, a fim de que eles se sintam produtivos e queiram permanecer na empresa.

Marcus Fontoura
Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.