Toda empresa quando cresce acaba criando algum tipo de estrutura organizacional e certa hierarquia, portanto sempre terá algum nível de decisões do tipo top-down. Mas, quando se considera que uma companhia pode ter centenas ou milhares de funcionários, é impossível acreditar que apenas os poucos líderes que estão lá em cima da pirâmide de comando é que produzirão as ideias e as sementes de inovação.

Não seria sábio da parte de um CTO desperdiçar, por exemplo, a mente de 1999 pessoas porque ele é o cara que designaram como líder. A chance de haver talentos geradores de inovação nesse pool de pessoas é altíssima, e é por isso que cada vez mais se valorizam a diversidade e pluralidade nas empresas.

Quando há experiências, formações e visões de mundo distintas para criar qualquer coisa, o resultado é muito melhor do que quando todo mundo pensa e age igual.

A realidade é que não basta ter uma boa ideia, é preciso que ela ganhe suporte. Para isso ocorrer o ideal é que a companhia tenha abertura e mecanismos prontos para que as pessoas saibam como fazer as ideias inovadoras avançarem e colocá-las em prática ou teste de alguma forma.

Uma empresa com perfil mais top-down tende a ter menos desses mecanismos disponíveis ou já pensados para que alguém que está mais abaixo hierarquicamente tenha acesso aos tomadores de decisão. Sem esse acesso, os funcionários imaginam que nunca terão possibilidade de contribuir com algo novo e acabam menos motivados para trazer ideias à tona, o que só serve para inibir inovação. 

O ideal é que a companhia tenha abertura e mecanismos prontos para que as pessoas saibam como fazer as ideias inovadoras avançarem e colocá-las em prática ou teste de alguma forma.

Canais de comunicação de ideias

Para evitar a autocensura, é quase uma obrigação da liderança abrir canais de comunicação para que todos os funcionários sintam que são ouvidos e que têm o poder de contribuir. 

Nas empresas de tecnologia é cada vez mais comum a promoção de demo days, dias pré-determinados em que as pessoas podem apresentar ideias para a companhia inteira, e de hackathons, datas específicas para pensar problemas e validar uma ideia de forma divertida e estimulante. 

Algumas empresas chegam a permitir que seus funcionários façam captação de dinheiro internamente para suas ideias, criando como se fossem mini empreendimentos de venture capital (capital de risco) dentro da própria empresa. A pessoa escreve um projeto e circula para ver se consegue arrecadar o que precisa para testá-lo.

Tudo isso é muito válido, e cada organização de tecnologia tem que buscar soluções compatíveis com sua cultura para reforçar o conceito de que valoriza as ideias que vêm de baixo para cima da hierarquia.

Para que haja espaço para o surgimento de ideias na prática, uma maneira é investir naquela “gordura” que dá às equipes mais tempo e pessoal a fim de viabilizar o processo criativo dentro do horário regular de trabalho. Essa gordura permite a criação eventual de novos projetos de horizontes futuros.

Perfis diferentes

Lembrando que nem todo funcionário deseja dedicar seu tempo para novas ideias: há quem prefira executar projetos planejados e se concentrar naquilo que gera impacto direto para o negócio. Há pessoas, no entanto, com esse lado criativo mais pronunciado e que só se realizam quando têm liberdade para criar novidades. 

Uma boa liderança sabe identificar como cada membro do seu time trabalha melhor e aproveita os pontos fortes dos indivíduos em posições que os valorizem. A natureza ajuda nesse ponto, porque a maioria das pessoas prefere trabalhar em projetos pré-definidos e ponto final.

São menos numerosas as pessoas que têm a angústia de querer produzir uma coisa nova. Mas é nelas que está o potencial de disrupção positiva que pode dar à empresa um grande diferencial competitivo. De modo geral, uma equipe equilibrada precisa de um mix de pessoas divididas entre os diferentes horizontes de planejamento

Marcus Fontoura
Sobre o autor

Marcus Fontoura

Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.