A qualidade das relações funciona como o lubrificante das engrenagens de colaboração dentro de qualquer empresa. Uma comunicação sem tanta fricção permite que times trabalhem juntos, dando espaço para um clima positivo que em última instância fomente a eficiência e abra caminho para a inovação.
Muitas empresas de tecnologia são formadas por pessoas jovens, em um clima de alta competitividade, com todos os esforços voltados para crescer rápido e conquistar o mercado, e isso pode resultar em ambientes de trabalho tóxicos.
A pesquisadora Christine Porath, professora da University of North Carolina at Chapel Hill, nos Estados Unidos, vem estudando de que maneira atitudes agressivas por parte de líderes e pares causam prejuízos reais à produtividade das pessoas no ambiente corporativo. Os experimentos realizados por ela e sua equipe mostram que o mero fato de testemunhar comportamentos desrespeitosos, ou de ser exposto a grosserias, leva a erros e queda no desempenho, em todos os tipos de indústria.
O trabalho de Porath descrito em detalhes no livro Mastering civility: A manifesto for the workplace (Balance, 2016), argumenta que as microagressões e o isolamento das pessoas no trabalho interferem no clima produtivo e impedem que se desenvolva o ambiente receptivo e criativo que em última instância faz uma empresa ser bem-sucedida.
Através de pesquisas e experimentos controlados, Porath demonstra também como o bullying pode se disseminar rapidamente por um equipe. Um líder agressivo faz com que seus liderados ajam também com agressividade, pois eles tendem a imitar o comportamento da liderança, levando essa forma de agir a fazer parte da cultura da companhia.
Os dados de Christine Porath comprovam que o clima tenso torna as pessoas mais propensas a erros. Por exemplo, elas têm cinco vezes mais chances de não entender informações importantes se estiverem estressadas. A falta de respeito também impacta o comprometimento com a empresa, segundo a pesquisadora: depois de serem alvo de agressividade, 60% das pessoas ficam mais propensas a reduzir os esforços e 12% mais propensas a pedir demissão.
Uma situação de incivilidade rebaixa a moral do time todo, e não só da pessoa alvo de um comentário desrespeitoso. Todas ficam menos entusiasmadas com seu próprio trabalho.
Algumas lideranças ainda pensam que ser agressivas e rudes é um comportamento desejável, que é preciso ser assim para gerar temor e obediência. Os dados da pesquisa de Christine Porath, no entanto, demonstram o contrário. Lideranças que agem com respeito e educação são mais respeitadas, têm duas vezes mais chances de serem reconhecidas como líderes e têm desempenho 13 vezes melhor em suas funções.
Comunicação não-agressiva para resolução de conflitos
Existem ferramentas simples que podem servir para uma comunicação mais eficaz, para quem está tentando agir como aliado de alguém que considera mais vulnerável e para quem busca se posicionar de maneira assertiva. Uma delas é o acrônimo em inglês ADEAR, que vem de “be a dear” (seja um querido), ensinado pela consultoria do cantor e compositor norte-americano Parfait Bassalé, especializado em resolução de conflitos.
Em caso de conflito, a filosofia prega:
- A – Afirmar que não tem nada contra a pessoa, e reforçar o valor do relacionamento com ela
- D – Descrever o comportamento sem julgamento
- E – Explicar o que sentiu
- A – Assumir uma intenção positiva
- R – Requerer ou sugerir um comportamento diferente
Quando se é alvo de alguma microagressão, esse framework permite tomar as rédeas da situação e conversar sobre o problema com a pessoa agressora.
Por exemplo: “Quando falávamos sobre orçamentos mais cedo hoje, você disse: ‘Você está fazendo drama’. Declarações como essas dão a entender que estou sendo excessivamente emocional por ser mulher e que minhas preocupações não são reais. Isso me faz sentir menosprezada. Estou presumindo que não seja sua intenção. Eu ficaria agradecida se você não dissesse mais coisas desse tipo. Pode ser?”
São coisas simples: assumir que uma pessoa teve a intenção correta, que não teve o intuito de prejudicar, deixar claro para o outro que ficou magoado e explicar por que, e então pedir uma mudança de comportamento.
Se as pessoas entendem que esse é um caminho viável, pelo menos elas têm parâmetros mentais sobre como lidar com uma situação dessas no dia a dia. Sem parâmetros de comunicação, os problemas individuais podem adquirir uma escala maior e se transformar rapidamente em problemas institucionais.
É fundamental também não isentar a empresa de responsabilidade sobre comportamentos inapropriados de suas lideranças, já que ainda é forte a cultura de proteger ou acobertar pessoas, principalmente em cargos altos, muitas vezes classificadas de excêntricas ou de geniais, em vez de abusivas e destrutivas.
A gestão da empresa atua diretamente sobre os resultados da mudança de cultura quando valoriza, em seus processos de avaliação e progressão de carreira, o trabalho colaborativo em detrimento de entregas individuais. Com métricas específicas que mostrem o quanto uma pessoa facilitou a atuação conjunta é possível associar incentivos concretos ao esforço educativo, que não pode ficar apenas no discurso.
Diferenças individuais e culturais nas relações corporativas
A agressividade pode transparecer em pequenas coisas, em microagressões ou “brincadeirinhas”. A bagagem cultural das pessoas é muito variada, e até dentro do Brasil existem muitos Brasis. As técnicas de comunicação clara reduzem possíveis ruídos de compreensão, aqueles que às vezes dão origem a conflitos e ressentimentos.
É muito difícil generalizar uma cultura. Nem todo mundo no Brasil gosta de futebol, e existem sim alemães desorganizados que se atrasam para as reuniões. Fazendo essa ressalva, a professora Erin Meyer mostra no livro The culture map: Breaking through the invisible boundaries of global business (Public Affairs, 2014) que existem alguns padrões e diferenças culturais importantes, e os analisa. Por exemplo, em comunicação algumas culturas tendem a apresentar todos os detalhes, enquanto outras se focam mais no panorama geral. Para decisões, algumas culturas tendem a ser mais hierárquicas, enquanto outras são mais igualitárias.
Meyer defende que pessoas são diferentes, formadas por uma combinação de atributos culturais e atributos individuais, e que é preciso ouvir melhor e perguntar mais antes de se assumir qualquer coisa. A comunicação direta é a melhor maneira de não se cair na armadilha de entender algo que possa ser muito diferente do que a outra pessoa quis dizer, ou de achar que se está transmitindo uma mensagem quando na verdade é outra bem distinta que está sendo recebida.
É evidente que todas as pessoas, sem escapatórias, têm seus pontos cegos, e assim falham e interpretam situações de maneira errada. Uma ideia é tratar essas situações, quando identificadas, como se fosse um post mortem de um “incidente de comunicação”. Como todo post mortem, o foco é no aprendizado: sempre se pode melhorar.
Autodefesa: deflagradora de conflitos no trabalho
Um dos motivos da agressividade no ambiente de trabalho é quando pessoas se sentem ameaçadas – por exemplo, ao dizerem: “Você pode questionar qualquer coisa sobre mim, mas não questione minha ética de trabalho!” Essa resposta ocorre quando o traço de caráter em questão é uma parte significativa da identidade da pessoa.
Críticas e feedbacks que desafiam diretamente a identidade da pessoa parecem ser muito mais potentes do que quando não estão relacionadas a algo tão importante para ela. O resultado é que a pessoa criticada tenta se defender, em vez de adotar uma postura baseada na curiosidade e na mentalidade de crescimento (growth mindset, expressa no livro Mindset: A nova psicologia do sucesso, de Carol S. Dweck, Objetiva, 2017).
Como as pessoas podem se proteger de reagir defensivamente ou agressivamente nessas situações? Ter consciência dos valores centrais que compõem sua identidade é um ótimo ponto de partida para reconhecer o que potencialmente uma pessoa percebe como ameaça a si própria. É um exercício constante de autodescoberta, questionamentos e reflexão, pois identidades estão em constante evolução.
O reconhecimento da situação de conflito e o respeito às diversas perspectivas, mesmo quando diferentes da pessoa em questão, criam um ambiente mais inclusivo.
Para promover a inclusão, a empresa precisa se esforçar para criar um ambiente onde as pessoas possam se expressar livremente. Esse tipo de ambiente reduz naturalmente as situações ameaçadoras. Quando se reafirmam as qualidades de identidade das pessoas, se promove a segurança psicológica.
Ao se sentirem psicologicamente seguras, as pessoas podem ser mais autênticas, e isso é benéfico por muitos motivos, entre eles porque abre espaço para a criatividade e facilita a comunicação entre equipes, algo fundamental em uma área cheia de interdependências como a de tecnologia.

Marcus Fontoura
Marcus Fontoura é atualmente technical fellow na Microsoft e CTO do Azure Core. Iniciou a carreira na área de pesquisa da IBM em 2000, depois de concluir o doutorado na PUC-Rio e o pós-doutorado na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Teve passagens pelo Yahoo! e pelo Google, e promoveu uma transformação digital na fintech brasileira StoneCo, onde atuou como CTO. É autor do livro Tecnologia Intencional e publisher da plataforma com o mesmo nome.